Clima
Min 24ºc - Max 33ºc Salvador
Calendário
sábado, 14 de Dezembro, 2024
Georges Humbert 29 de Outubro, 2024
Foto - Georges Humbert

É possível empreender com segurança em Terreno de Marinha?

Sustentabilidade e meio ambiente
Foto - Georges Humbert
Georges Humbert 29 de Outubro, 2024

Recentemente, o Brasil viveu um turbilhão de desinformação ao ensejo da famigerada e mal nominada “PEC das Praias”. Como se sabe, a PEC não tratava de praia, mas de terrenos de marinha. O presente artigo vem, aproveitando que o tema tomou conta do país, diante da polêmica PEC 03/2023, demonstrar que é possível, correto, necessário e fundamental para o país e para a Bahia, empreender em terreno de marinha.

Inicialmente, vale esclarecer que tais áreas são aqueles terrenos, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831. Sua determinação deve ser feita com base em estudos, através de levantamentos de dados, que possam aproximar ao máximo a realidade da maré no referido ano. ​

Sabido que terreno de marinha não é praia, não fica na praia, muitas vezes está bem longe da praia, bem como que é ilícito privatizar a praia (no Brasil, pois no resto do mundo é comum), de acordo com a SPU, estima-se que existam cerca de 2,9 milhões de imóveis em terrenos de marinha, sendo que apenas 30% dessas áreas estão demarcadas. Destas, 99% já estão ocupadas por particulares, de todos os níveis sociais, desde grandes comunidades com habitação de interesse social, a pequenos balneários que guardam resorts, condomínios e outros empreendimentos. Em 2023, a arrecadação com taxas de ocupação e foro foi de R$ 1,1 bilhão, mas a SPU acredita que o valor poderia ser cinco vezes maior se todas as áreas fossem demarcadas.

Para investir e empreender nos terrenos de marinha e seus acrescidos, um passo primário é obter, com certa precisão, a identificação do local exato onde esteve a Linha de Preamar Médio (LPM). A determinação será feita à vista de documentos e plantas de autenticidade irrecusável, relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, a época que do mesmo se aproxime. Com isto, inicia-se, na Superintendência de Patrimônio da União – SPU, processo administrativo de cadastro, demarcação, para, enfim, regularizar a ocupação e uso da área. Portanto, a SPU é, na prática, como um cartório de registro de imóveis, mas destinado apenas ao castro, registro, controle e destinação das áreas da União, entre elas, os terrenos de marinha, razão pela qual, diante de uma dúvida sobre a quem deve ser destinado um terreno de marinha, mais vale o RIP, expedido pela SPU, do que a escritura, o registro e a matrícula expedida pelo cartório de registro de imóveis, vinculado ao Poder Judiciário.

Existem, basicamente, três instrumentos para utilizar regularmente estes bens. Um deles é a ocupação, hipótese concedida ao particular que se habilita ao direito de usar o terreno de marinha mediante o pagamento anual de uma taxa que corresponde a 2% do valor da terra nua ocupada. Esta forma de inscrição é um ato precário, que pode ser revogado unilateralmente pela administração pública a qualquer momento. Ou seja: é uma modalidade de uso privativo do terreno de marinha que oferece pouca segurança jurídica ao ocupante. Contudo, geralmente é uma primeira etapa aos quais empreendedores neste tipo de imóvel devem passar para, em seguida, ter uma documentação que lhe confira maior segurança jurídica.

Outra modalidade de regularização de terreno de marinha é o aforamento. Neste, por sua vez, parte da propriedade do terreno de marinha é transferida ao particular. Essencialmente, o domínio pleno do imóvel é dividido em domínio direto (equivalente a 17% da propriedade, que permanece com a União) e domínio útil (que corresponde aos outros 83%, atribuído ao particular, chamado foreiro). Na constituição do aforamento, a transferência parcial da propriedade pode ser feita sem custo ao particular, caso cumpridas as exigências legais para aforamento gratuito, ou mediante o pagamento de 83% do valor da terra nua. Em ambos os casos, o foreiro ainda deverá pagar a taxa anual correspondente a 0,6% do valor do terreno de marinha.

Como envolve a transferência parcial da propriedade (direito real) ao foreiro, o aforamento não pode ser revogado pela administração pública a qualquer momento, oferecendo mais segurança jurídica ao particular do que a inscrição de ocupação. Ainda assim, há hipóteses previstas em lei que podem ocasionar a extinção do foro. Além da ocupação e do aforamento, em alguns casos excepcionais, também é possível adquirir o domínio pleno dos terrenos de marinha. A aquisição pode ser feita pelos particulares que já estão inscritos em regime de ocupação, por foreiros que detém o domínio útil do imóvel, ou por aqueles que ainda não regularizaram o uso dos terrenos de marinha sob qualquer modalidade.

Vale registrar, por oportuno, que cada uma dessas três hipóteses estará sujeita a requisitos e procedimentos próprios, definidos em lei, mas que, de caráter objetivo, vinculam a tomada de decisão, sem discricionariedade da SPU. O importante é que o particular, interessado em utilizar um imóvel situado em terras de marinha, se atente aos requisitos legais para evitar morosidade no processo de regularização perante a SPU.

Neste contexto, para empreender em terrenos de marinha, geralmente banhados oceanos e mares, ou por rios com influência de maré, convém que o interessado disponha de assessoria com conhecimentos técnicos e jurídicos necessários. Portanto, é recomendável sempre consultar e analisar uma certidão da SPU, quando for empreender em áreas destas características. Desta forma, desde que munido do cadastro ou RIP junto à SPU, é seguro empreender em terrenos de marinho, sem esquecer a obtenção das demais certidões, autorizações, alvarás, cadastros, certificados e licenças, em diligências diversos órgãos e entidades da União, do Estado e dos Municípios, a exemplo de Ibama, Incra, Funai, Fundação Palmares, Icmbio, as de uso e ocupação do solo, entre outras, a depender do caso concreto.