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Thatiana Seixas 20 de Novembro, 2024
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Jornalistas negros na TV baiana: representatividade, desafios e conquistas

Entretenimento
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Thatiana Seixas 20 de Novembro, 2024

Por muito tempo, a televisão brasileira refletiu uma realidade excludente, onde pessoas negras não tinham espaço em posições de destaque, como repórteres ou apresentadores. Na Bahia, maior estado negro fora do continente africano, essa ausência era ainda mais gritante. Contudo, um movimento de mudança está em curso. Hoje, jornalistas negros ocupam espaços de destaque e mostram o poder da representatividade, quebrando barreiras e inspirando novas gerações. Reunimos depoimentos de profissionais que ajudam a transformar essa realidade na TV baiana.

Tiago Reis: “Eu tinha sede de conhecimento”

Foto: Arquivo pessoal

Cria da Ribeira, Tiago Reis, 37, é um exemplo de perseverança. Iniciando a vida profissional numa empresa de turismo que atendia executivos da Rede Bahia, Tiago foi se aproximando da profissão, trilhando um caminho árduo, e hoje faz parte do quadro do Globo Esporte Bahia, com entradas em diversos programas nacionais na Rede Globo. “Eu tinha sede de conhecimento”, afirma.

Ele conta como enfrentou questionamentos sobre sua capacidade de se tornar repórter.

“Sempre diziam que eu não fazia o perfil. Por isso, estudei outra área também, para ter opções caso o jornalismo não desse certo”, afirmou Tiago, que além de jornalista, é engenheiro ambiental.

No entanto, ele persistiu. Hoje, destaca que a representatividade negra na TV reflete um pedido da sociedade.

“Estamos na maior capital negra fora da África. A sociedade quer se ver na tela”.

Com uma carreira consolidada no jornalismo esportivo, Tiago acredita que sua maior missão é amplificar histórias de superação e projetos sociais que fazem a diferença, como o projeto que foi ao ar na última terça (19), no bairro de Águas Claras (Salvador), que inspira jovens a seguir os passos de Vini Jr.

Felipe Oliveira: “A militância é diária”

Foto: Arquivo pessoal

De origem humilde, Felipe Oliveira construiu sua trajetória com determinação. Desde a escola, já chamava a atenção dos professores pela sua performance desenvolta, apresentando inclusive o trabalho dos colegas. Nos testes vocacionais, ficou inclinado para o Jornalismo, mas quando demonstrou o sonho da profissão, ele ouvia falas preconceituosas como “Como é que você vai ser jornalista? Você vê alguém igual a você na televisão?”.

“Tudo isso foi me afetando, e eu fui de fato acreditando que não poderia ser repórter, não poderia estar na televisão, e fui fazendo outras coisas.”

Ele estudou Música no Neojibá, fez curso técnico em Construção Naval, chegou a prestar vestibular para fisioterapia, trabalhou como garçom e entregou de panfletos no semáforo. Mas dentro de si, ainda tinha o desejo de se tornar Jornalista e foi estudar para o ENEM, fez a prova e conseguiu a bolsa de 100% numa faculdade particular pelo ProUni.

“Apesar de ter feito a faculdade, eu internalizei ali naquele momento que TV não seria pra mim”.

Quando estava no terceiro semestre, ele participou de uma imersão do Profissão Repórter e foi um dos 10 selecionados entre os mais de 3 mil inscritos do Brasil inteiro. Após uma semana em São Paulo, pediu demissão do quiosque de açaí em que trabalhava e começou a estagiar na Rádio Sociedade, tendo vivência com figuras como Varela, Silvana Oliveira e Adélson Carvalho. Depois disso, teve passagens pela Educadora FM e Band News FM.

Ainda estagiário, foi convidado para fazer um teste para vaga pra repórter.

“A minha reação foi: ‘ué, mas eu posso fazer TV?’. pra você ver quanto que o racismo é cruel, quanto que o racismo me atrapalhou, me limitou”.

Depois de um tempo na Band, foi contratado pela TV Bahia, onde está há cerca de 3 anos.

Felipe conta que já recebeu comentários racistas dizendo que eu precisava cortar o cabelo, mas também sente que vale a pena quando crianças dizem que se inspiram nele.

Eu acho que a minha forma de combater o racismo é mostrando que eu sei fazer tudo, que eu posso fazer tudo, posso fazer cultura, posso fazer economia, posso fazer política, e isso é uma forma de militar também, a militância é diária, né?

Para ele, a representatividade vai além da tela:

“Cada um precisa construir sua história e não deixar que os outros delimitem sua narrativa”.

Priscila Pires: “Eu me vejo em você”

Vinda de Santo Amaro, interior da Bahia, Priscila Pires, 31, tornou-se um rosto conhecido na TV. Mulher negra e candomblecista, enfrentou olhares de desconfiança no início da carreira, mas encontrou força na representatividade.

“Quando as pessoas da periferia dizem ‘eu me vejo em você’, isso me motiva a continuar”.

Priscila construiu sua trajetória com persistência, enviando portfólios para repórteres e diretores da TV Aratu, até conseguir uma oportunidade. Para ela, o maior desafio ainda é superar preconceitos em ambientes de trabalho.

“Espero que nós, negros, ocupemos espaços ainda maiores, não só na TV, mas em todos os setores”.

 

Edu Alves: “Provar que podemos”

Foto: Arquivo pessoal

Quando ainda tinha 15 anos, Edu Alves iniciou sua carreira como repórter mirim no Clube da Alegria, na TV Aratu, e hoje aos 21, brilha na Band Bahia. Ele propôs e produziu o quadro autoral Periferia na Pandemia, que ganhou destaque na emissora.

“A gente sempre ouve que precisa provar duas vezes mais. Isso é cansativo, mas também impulsiona”.

Edu encontra inspiração em colegas como Raoni Oliveira e Val Benvindo, com quem compartilha diariamente desafios e conquistas. Ele afirma que, vendo Raoni na TV, acreditou que era possível ser repórter.

“Hoje, temos mais rostos negros na TV do que há 10 anos, mas ainda há muito a avançar. Somos parte de uma geração talentosa que está apenas começando”.

Neste mês, Edu integra temporariamente o elenco da Band Natal, comandando matérias exclusivas para o “De Olho Na Folia”, programa que antecede a transmissão do Carnatal, em Natal-RN, na Band.

Val Benvindo: “Celebrar, refletir, lutar”

Foto: Jordan Vilas

Jornalista e influenciadora digital, Val Benvindo é uma força no cenário baiano. Além de atuar na Band Bahia, é consultora em diversidade racial e figura importante em eventos como o Afropunk Brasil e o evento de lançamento do “Renaissance: a film by Beyoncé”, que contou com a presença da diva pop em Salvador. Para ela, o 20 de novembro é um momento de celebração e reflexão.

“Estamos longe de uma sociedade justa e igualitária. Mas cada conquista é uma vitória coletiva que reforça a luta por um futuro melhor”.

Val é criada no bairro do Curuzu e semanalmente está no ar com o quadro semanal “Meu Nome é Val”, do programa Band Mulher (Band Bahia)

Rita Batista: “Não sou preta só em novembro”

Foto: Bruno Fiorentino

Referência nacional, Rita Batista tem uma carreira consolidada em diversos veículos, mas hoje é apresentadora do É de Casa, na TV Globo e do Saia Justa, no GNT. Sua trajetória é marcada pela luta contra o racismo e o sexismo.

“Eu sempre digo: não sou preta só em novembro, nem mulher só em março. Mas o mês da Consciência Negra é essencial para lembrarmos de nossas conquistas e da vergonha que foi a escravidão”.

Autora de A Vida É Um Presente, Rita segue sendo um farol de inspiração para jornalistas e espectadores.

A representatividade negra na TV baiana é mais do que um marco histórico: é uma celebração da diversidade e um caminho de inspiração para as próximas gerações. Profissionais como Tiago, Felipe, Priscila, Edu, Val e Rita continuam mostrando que é possível ocupar esses espaços com excelência, transformando olhares e promovendo mudanças significativas na sociedade.