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Thatiana Seixas 15 de Abril, 2025
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Manuel Rocha: “Quem vai querer botar dinheiro num Estado que é leniente com invasões de terra?”

Política
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Thatiana Seixas 15 de Abril, 2025

O presidente da Comissão de Agricultura da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), deputado Manuel Rocha Filho (União Brasil), faz um alerta sobre a escalada das tensões no campo baiano, especialmente nas regiões do Extremo Sul e Oeste do estado, onde produtores rurais enfrentam insegurança jurídica diante de sucessivas invasões de terras.

Em entrevista exclusiva ao Se Ligue Bahia, o parlamentar aponta que cerca de 80 propriedades estão ocupadas ilegalmente, sendo que pelo menos 40 delas já contam com decisões judiciais de reintegração de posse que não são cumpridas. Segundo ele, a ausência do Estado para garantir o cumprimento dessas ordens judiciais tem afastado investimentos e contribuído para o acirramento dos conflitos.

Manuel Rocha também critica a atuação do governo estadual, cobrando mais firmeza diante dos episódios de ocupações e lamentando declarações de integrantes do Executivo que, segundo ele, atacam o agronegócio. O deputado defende a instalação da CPI do MST na Alba, barrada recentemente pelo Tribunal de Justiça da Bahia, e aponta a necessidade de medidas urgentes para proteger os produtores rurais, como o cumprimento imediato de decisões judiciais e a criação de políticas permanentes de combate à seca no semiárido baiano, que afeta hoje mais de 70 municípios.

Confira a entrevista na íntegra:

SLB Entrevista – Deputado, o senhor tem acompanhado de perto a situação no campo e as recentes tensões envolvendo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Como presidente da Comissão de Agricultura, como o senhor avalia o atual momento vivido pelos produtores no interior da Bahia, especialmente diante das invasões registradas no oeste do estado?
Manuel Rocha: Esse é um problema que atinge diversas regiões do Estado, mas em especial no Extremo Sul, onde há cerca de 80 propriedades invadidas. O pior é que, desse total, 40 propriedades têm decisões judiciais de reintegração de posse, que não são cumpridas. Às vezes, os próprios proprietários vão e fazem a reintegração de posse, o que não é correto, pois ninguém pode fazer justiça com as próprias mãos. Mas, na falta do Estado, cada um quer fazer valer o seu direito. Há quem diga que existe um comitê no governo do estado de que só autoriza o uso de força policial com aval desse comitê. Precisamos entender por quê existem decisões judiciais de reintegração de posse pendentes de cumprimento por falta de apoio do aparato estatal. Isso tudo infelizmente causa insegurança jurídica. Realizamos na Comissão de Agricultura uma audiência pública para debater o problema e lá tivemos diversos relatos de investidores que desistiram de trazer recursos para a Bahia no setor agropecuário justamente por falta de segurança jurídica no campo. Inclusive, falta um posicionamento mais firme do Estado para conter a tensão e os conflitos, que já resultaram em mortes.

SLB Entrevista – Havia uma expectativa em torno da CPI do MST na Assembleia Legislativa da Bahia, mas o Tribunal de Justiça do Estado barrou a sua instalação por 10 votos a 9, revertendo a liminar anterior. Como o senhor recebeu essa decisão?
MR: A nossa expectativa era de realmente termos instalada essa CPI para investigar essas invasões de terra que acontecem no Estado. Nós tínhamos o número de assinaturas necessárias, tínhamos o objeto. Acho que a CPI é um ambiente adequado para cobrarmos um posicionamento efetivo do governo do estado em relação a essas invasões. A CPI tinha o apoio de deputados da base e da oposição. Acredito que quem acompanha o setor agropecuário no Estado e conhece essa questão das invasões percebe a clara necessidade de se investigar a fundo o que vem acontecendo. Não é razoável aceitarmos que decisões de reintegração de posse não sejam cumpridas e fique por isso mesmo.

SLB Entrevista – A CPI havia sido proposta pelo deputado Leandro de Jesus (PL), que alegava a necessidade de investigar possíveis crimes cometidos nas ocupações. A Procuradoria da Alba considerou o tema inconstitucional, argumentando que a reforma agrária é competência da União. Na sua visão, a Assembleia poderia ou deveria ter avançado nessa investigação?
MR:
A minha avaliação é que a Alba deveria ter instalado a CPI, mas infelizmente o ex-presidente Adolfo Menezes (PSD) acabou por engavetar a proposta. Não é uma crítica ao deputado, por quem tenho muito respeito e admiração. Mas havia o número necessário de assinatura e havia um objetivo muito bem definido para a CPI, ou seja, tínhamos os requisitos para a abertura da investigação.

SLB Entrevista – Em paralelo a esse impasse jurídico, os relatos de invasões continuam chegando. O que a Comissão de Agricultura tem feito para mediar esse conflito e proteger os trabalhadores do campo? Há iniciativas em andamento?
MR: Recentemente, nós promovemos uma audiência pública com participação de deputados, produtores rurais, representantes do governo do estado e de diversas entidades, como a Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb) e a Unagro. Lá foram debatidos diversos temas relacionados às invasões e apresentamos várias proposições, porque na comissão nós temos essa máxima: discutir, conversar é importante, mas é preciso ter resolutividade. Nossa principal questão é que as decisões judiciais de reintegração de posse sejam imediatamente cumpridas, para que haja segurança jurídica e para evitar uma escalada da violência. De acordo com a Faeb, as invasões estão afetando diretamente a produção agropecuária em diversas áreas, como cacau, café, eucalipto e pecuária extensiva. Além disso, a comissão indicou o deputado Paulo Câmara (PSDB) para compor o grupo de trabalho criado pelo governo do estado para buscar soluções para estas invasões.

SLB Entrevista – Recentemente, uma secretária do governo Jerônimo fez uma declaração polêmica, classificando o agronegócio como “criminoso e antinatural”. Isso gerou forte reação no setor. Como o senhor, que representa o agro na Assembleia, enxerga esse tipo de fala vindo de integrantes do Executivo estadual?
MR:
Foi uma declaração infeliz e lamentável. Nós repudiamos veementemente esse tipo de discurso. O mais grave é que ele tenha sido proferido por uma secretária de Estado, o que institucionaliza uma visão equivocada e perigosa. O agronegócio é essencial para a Bahia e para o Brasil, representando quase 30% do PIB do nosso Estado. É um setor que sustentado a economia, gerando emprego e renda. Estimular conflitos entre movimentos e o setor produtivo é inadmissível e representa um retrocesso no debate democrático e na promoção da paz no campo. O agronegócio brasileiro é exemplo de eficiência e inovação, e não pode ser atacado por discursos ideológicos desconectados da realidade.

SLB Entrevista – Diante dessas tensões, o senhor considera que o governo estadual tem dado a devida atenção ao setor agropecuário? Como está a relação institucional entre o setor produtivo e a atual gestão estadual?
MR: A relação institucional é muito boa, mas infelizmente a gente observa que o governo do estado negligencia demais determinadas questões relacionadas ao setor agropecuário, como esta questão das invasões, que causa insegurança jurídica e afugenta investidores. Quem vai querer botar dinheiro num Estado que é leniente com invasões de terra? E ainda vemos de secretários do Estado fazerem falas contra o agronegócio e defendendo invasões de terra. Decisão judicial de reintegração de posse não é para ser discutida, mas é para ser cumprida.

SLB Entrevista – Quais medidas o senhor considera urgentes para garantir segurança jurídica aos produtores rurais e evitar novas ocupações ilegais de terras na Bahia?
MR: Antes de tudo, é preciso garantir que as decisões de reintegração de posse sejam cumpridas imediatamente. Não dá para acontecer o que vemos hoje. De 80 propriedades invadidas no Extremo Sul, 40 têm decisões de reintegração de posse não cumpridas. Isso não pode acontecer. A propriedade privada é um direito constitucional e precisa ser garantida, inclusive para evitar episódios de violência, como os que temos visto. Em segundo lugar, é preciso fazer com que esse grupo de trabalho para debater as invasões de terra funcione plenamente e que apresente propostas concretas para resolver a situação, que tenha resolutividade, não fique apenas na conversa e no debate.

SLB Entrevista – E a seca na Bahia? O governo tem dado contar de combater?
MR: O governo do estado tem sido falho nas ações de combate às consequências da seca. Mais de 70% do território da Bahia é semiárido e ano após ano nós vemos essa questão da estiagem afetar de maneira muito grave a população. Não dá para chegar ao ponto de termos perda de lavoura, morte de rebanhos e pessoas implorando por água para beber para, só depois disso tudo, o governo do estado montar um comitê. Esse comitê tem que ser permanente, as ações precisam ser permanentes, têm que ocorrer o ano inteiro, para que, quando a estiagem se agrave, já exista uma estrutura prévia montada para dar suporte aos produtores rurais e à população. O que não dá é para esperar o agravamento da situação para, só aí, o governo tomar uma decisão de montar um comitê. De acordo com a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Faeb), atualmente a produção informal de leite diminuiu mais de 50%, enquanto setores como apicultura, café, banana, cebola e caju enfrentam perdas significativas. O plantio de milho e feijão também está comprometido em diversas regiões. É preciso que as ações sejam permanentes, como a construção de cisternas, limpeza de aguadas, entrega de ração animal, linhas de créditos dos pequenos produtores, revisão das dívidas dos produtores nos locais em situação de emergência. Hoje são mais de 70 municípios em situação de emergência, sendo que a situação mais grave é ali na região de Irecê. A Comissão de Agricultura tem buscado dialogar com autoridades e com o setor produtivo para buscar medidas efetivas para mitigar os efeitos da seca.