
Transição vocal ajuda na transição de gênero e eleva autoestima de pessoas trans
Otorrinolaringologista Érica Campos explica como a mudança vocal pode reduzir a disforia, melhorar a comunicação e fortalecer o bem-estar emocional

A voz desempenha papel central na forma como nos comunicamos e somos percebidos socialmente. Para pessoas trans, adequar o timbre vocal ao gênero com o qual se identificam é um passo decisivo no processo de transição. A otorrinolaringologista Érica Campos, especialista em laringologia e transição vocal, explica que essa mudança vai além da sonoridade: “A transição vocal é muito mais do que uma mudança de som. Ela envolve sonhos, expectativas, medo da rejeição e o desejo de ser reconhecida por quem se é. A voz está diretamente ligada à socialização e ao pertencimento”.
No consultório, relatos de pacientes revelam insegurança em falar em público, gravar áudios ou atender telefonemas por medo de serem identificados pela voz. Essa incongruência pode causar disforia vocal, gerando ansiedade, isolamento e impacto na saúde mental. Um estudo publicado no Journal of Voice (2021) aponta que até 88% das mulheres trans relatam insatisfação com a própria voz.
Técnicas e reabilitação
Entre as técnicas disponíveis, a glotoplastia é a principal cirurgia para elevar o tom vocal. O procedimento encurta as pregas vocais por via intraoral, sem cicatrizes externas, e tem duração média de duas horas. O repouso vocal varia de 7 a 15 dias, e o resultado definitivo surge após 6 a 8 meses, com acompanhamento de fonoaudiólogos e psicólogos.
“Essa espera é desafiadora, por isso, é essencial ter acompanhamento especializado desde o início, com expectativas bem alinhadas. A reeducação da musculatura da laringe é fundamental para que a voz se torne confortável, estável e natural”, orienta Érica.
Outro procedimento associado é a condroplastia, que reduz o pomo de Adão. Embora não altere a voz, contribui para o bem-estar estético e psicológico, reforçando a autoimagem feminina.
Nos homens trans, a terapia com testosterona geralmente promove o engrossamento natural da voz, reduzindo a necessidade de intervenção cirúrgica. Pessoas cis também podem se beneficiar das técnicas em casos de alterações hormonais ou uso de anabolizantes que provoquem disforia vocal.
“É preciso entender que a voz não é só um som, é identidade, presença e expressão. A redesignação vocal devolve autoestima e gera pertencimento”, conclui a médica.