Paulo Souto: A semelhança do Meteorito de Bendegó com a Esmeralda Bahia de Pindobaçu. Pode?
Meus colegas geólogos e ex-alunos do Instituto de Geociências, ao lerem o título deste artigo, devem ter pensado: “O professor enlouqueceu”. Mas calma! Não estou comparando diretamente o meteorito de Bendegó com a Esmeralda Bahia. De um lado, temos o meteorito férreo, com 5,6 toneladas, de origem extraterrestre. Um fragmento de asteroide, composto de ferro e níquel, que atravessou a atmosfera sem se desintegrar e caiu em Monte Santo, na Bahia. Do outro, há as esmeraldas, com seu verde inconfundível, extraídas de rochas ultrabásicas nos garimpos de Serra de Carnaíba, em Pindobaçu, também na Bahia. Entre elas, destaca-se a famosa Esmeralda Bahia.
A semelhança entre os dois não está em suas características geológicas, mas no destino que tiveram. A Bahia acolheu tanto o meteorito quanto a esmeralda. No entanto, no caso do Bendegó, o Estado não foi devidamente contemplado. Temo que o mesmo possa ocorrer com a Esmeralda Bahia.
A história do meteorito de Bendegó é bastante conhecida. Em 1784, ele foi encontrado por acaso por um garoto. Pouco depois, o Governo da Bahia tentou removê-lo, mas o processo foi interrompido. Após percorrer apenas 200 metros, o carro de bois usado no transporte perdeu os freios, e o meteorito acabou ficando no leito do Riacho de Bendegó.
Durante uma viagem a Paris, mais de 100 anos depois da descoberta, D. Pedro II soube do grande interesse científico em torno do meteorito, já reconhecido como tal por cientistas europeus. Em 1886, ele decidiu providenciar sua remoção. Para isso, formou uma comissão em 1887, composta por um vice-almirante e dois engenheiros civis, com a tarefa de realizar o transporte. O meteorito foi levado em uma carreta puxada por bois, e, após uma viagem de 277 dias, chegou à Estação Ferroviária do Jacurici, em Itiúba, em 14 de maio de 1888.
De lá, foi embarcado para Salvador, onde chegou em 22 de maio de 1888. Ficou em exposição por 5 dias e, em 1º de junho, seguiu no vapor Arlindo para Recife, antes de ser enviado ao Rio de Janeiro. Chegou à cidade em 15 de junho, sendo recepcionado pela Princesa Isabel. O meteorito foi guardado no Arsenal da Marinha e, hoje, está no Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
Quando o meteorito chegou ao Rio de Janeiro, houve discussões na Câmara de Vereadores de Salvador sobre um possível embargo à remoção, mas sem efeitos práticos. No local da queda foi construído o Obelisco Pedro II. No entanto, três anos depois, a população destruiu o monumento, culpando a remoção da pedra por problemas como seca e pobreza na região. Mais tarde, a Marinha ergueu na Estação Ferroviária do Jacurici o Obelisco Bendegó, como marco dos esforços de engenharia e logística envolvidos no transporte do meteorito.
Na Bahia, a remoção do meteorito gerou críticas da população, expressas até mesmo em um cordel que dizia:
“A pedra formada de ferro, níquel e encanto,
até hoje nos traz tristeza e desencanto.
Queremos nossa pedra de volta,
de volta para o nosso canto.”
Como divulgado na imprensa esta semana, tudo indica que a injustiça se repetirá. Encontrada em 2001 no garimpo de Pindobaçu, a Esmeralda Bahia, um conjunto de pedras incrustadas em rocha de 380 kg, foi contrabandeada para os Estados Unidos em 2005, registrada como pedra natural de betume e asfalto, sem valor comercial. Um golpe milionário já que o valor estimado pode atingir US$ 900 milhões.
Em 2016, a justiça brasileira condenou os dois brasileiros acusados do contrabando a 16 e 9 anos de reclusão. Em maio de 2022, o Brasil decidiu reivindicar o direito a propriedade da pedra. No começo do mês, a justiça americana aceitou o pedido brasileiro de repatriação da Esmeralda Bahia, que terá ainda uma decisão final até o dia 06 de dezembro.
Mas, ao que parece, os baianos mais uma vez não poderão comemorar essa conquista. A Justiça Federal do Brasil propôs destinar a Esmeralda Bahia ao Museu Geológico, provavelmente se referia ao Museu Valdemar Lefévre, em São Paulo. Será que, como no caso do Meteorito de Bendegó, a Bahia ficará novamente sem abrigar um bem mineral extraído de seu subsolo?
Não se trata de questionar o aspecto legal, já que os bens minerais pertencem à União, mas de reconhecer a justiça de que a pedra retorne ao nosso Estado. A Esmeralda Bahia deveria ser destinada à Bahia por razões claras: foi extraída daqui o Estado possui um Museu Geológico preparado para recebê-la, e por anos a Bahia investiu fortemente em infraestrutura, estudos geológicos e apoio ao desenvolvimento dos garimpos de Pindobaçu. Sem esses esforços, dificilmente a Esmeralda Bahia teria sido encontrada. Como geólogo e responsável por esses estudos durante minha atuação pública, destaco que a região da Serra da Carnaíba é uma das mais bem estudadas no país.
A Bahia merece ser o destino dessa importante joia, como reconhecimento do papel decisivo que desempenhou em sua descoberta e exploração.
Não vamos permitir mais essa injustiça! É essencial que nossos governantes lutem para que a Esmeralda Bahia venha para o Museu Geológico no Corredor da Vitória, onde ela verdadeiramente pertence.
Paulo Souto, geólogo e governador da Bahia nos anos de 1995 a 1998 e 2003 a 2006.